26 abril, 2012

Antes de se apaixonar

Ontem à noite quando cheguei em casa a primeira coisa que vi foi meu amigo feliz ao telefone falando com o namorado. Fui tomar banho e quando saí ele estava novamente ao telefone, mas dessas vez a voz era tensa, o olhar meio perdido e não parava de articular as mãos no ar.
Alguns minutos depois ele desligou o celular e se debruçou sobre as barras da varanda olhando para baixo como se quisesse se jogar. Perguntei se estava tudo bem e o que tinha acontecido e ele só respondeu com a voz embargada: nada! Tem certeza? Eu insisti, mas a resposta foi a mesma.
Fui tentar dormir, cochilei por uma meia-hora e então percebi que ele ainda não estava dormindo, me levantei e olhei para a porta aberta. Ele ainda estava lá na mesma posição em que eu o tinha deixado meia-hora depois, como se nada mais no mundo fizesse sentido. Pensei em ir novamente perguntar o que tinha acontecido, se queria conversar, se precisava de algo, mas acabei por decidir que existem momentos em que tudo o que você precisa é ficar sozinho.
Tentei dormir outra vez, mas cadê o sono? E então veio uma imagem da minha infância tão nítida na minha mente que cheguei a suspirar. Eram cinco garotas, elas estavam sentadas em círculo no chão embaixo de uma árvore - acho que era uma mangueira - estavam sujas e desarrumadas, mas eram só crianças e não se importavam com isso. Uma das garotas pegou um graveto como se fosse uma varinha de condão e disse:
"Vamos fazer uma promessa. Quem se casar primeiro tem que dizer para outra como é?" Silêncio. E após um longo segundo uma delas perguntou: "Dizer como é o quê?" 
Todas se entreolhavam e esperavam anciosamente pela resposta a seguir, mas ela demorou mais que o esperado. A garota da varinha de condão estava pensando meticulosamente na resposta, andava de um lado para o outro como se suas palavras fossem desvendar um grande mistério e então uma delas gritou: "Eu já sei! Eu já sei!" Ela gritava e pulava. "Então nos diga o que é!  Retrucaram as outras. "Quem casar primeiro tem que nos dizer como é o beijo com a língua!" E todas fizeram careta como se estivessem com nojo, se olharam para ver se todas concordavam e fizeram a promessa.
Mal sabiam elas que surgiria outro impasse, pois, nenhuma delas queria casar e a grande maioria dizia que só iria se apaixonar aos 35 anos de idade e que só beijariam com a língua se o marido não fosse bigodudo, barbudo e tivesse um cheiro bom.
Elas eram apenas crianças e achavam mesmo que podiam escolher o momento certo para se apaixonar, mas tal momento nem mesmo existe não é mesmo? E elas descobriram isso da forma mais dificil... se apaixonando, implorando por atenção, carinho, afeto e com certeza beijando com a língua antes do 35 anos e antes do casamento. E desde então elas não se reúnem mais embaixo de árvores, muito menos desarrumadas ou sentadas em círculo no chão, não fazem promessas juntas, mas sozinhas em seus quartos antes de dormir, pedindo para que o dia seguinte seja melhor ou menos pior, pelo menos. E de vez em quando acontecem noites insones como a minha e nos lembramos  de como era boa a vida antes de se apaixonar.

- Quésia Mello

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