19 novembro, 2012

O Sistema Nos Castra



Born and Raised (Album Version) by John Mayer on Grooveshark
Tenho dezesseis anos e estou na sala de aula, em uma rodinha de amigos. Sou uma garota sorridente, confiante, alegre - até demais para o meu gosto - todos me observam enquanto me desdobro a falar. Falo sobre a vida que virá depois, quando eu sair da minha cidadezinha e for estudar e trabalhar na capital. Digo confiante que não mudarei com meus amigos, que não me tornarei uma patricinha metida que vive na merda, mas que finge ter uma vida de rainha em uma cidade desconhecida e cheia de pessoas tão sedentas por sucesso quanto ela.

As pessoas na rodinha me olham, algumas acreditam, outras dizem que a mudança é inevitável, que aconteceu com todos os outros que partiram e que não sou tão melhor assim para conseguir me manter indissolúvel ao sistema que me aguarda; que serei apenas mais um que se vai e não volta para contar como é o mundo do lado de lá.

Bato o pé, digo que vou continuar exatamente do jeito que sou, que não vou deixar de pintar o cabelo de uma cor diferente por mês só para conseguir um emprego, que não trocaria minha banda de rock, por um escritório, que não tirarei meus piercings só porque assustam os garotos, que não deixaria ninguém me xingar por se achar melhor do que eu, que manteria minha alma rebelde inabalável sempre, não importava o que acontecesse.

Então acontece que a gente cresce, e não quero dizer que com isso a minha "alma rebelde" tenha sumido, mas a gente aprender a se conter perante as pessoas e as situações e a dar o troco de forma mais categórica, aprende que para tudo e para todos existe uma hora certa. Pelo menos é isso em que nos obrigamos a acreditar, talvez para não perceber que no fundo, está tudo é muito do seu errado.

Os ouvidos ficam mais sensíveis, se ouve menos rock-paulera e mais soul, fala-se menos gírias e palavrões, usa-se roupas mais "adequadas", e vivemos a vida que renegávamos. Tornamo-nos quem dizíamos nunca querer ser. Somos arrastados por uma avalanche de contas, responsabilidades, dúvidas, medos, frustrações, insônia, desejos, pessoas e ideais inalcançáveis. O sistema nos castra, e quando percebemos não temos mais dezesseis anos, mas sessenta e um, estamos aposentados, sentados em cadeiras de balanço na varanda de frente para rua, e pensamos em tudo o que queríamos fazer aos dezesseis.

- Quésia Mello

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