Tenho dezesseis anos e estou na sala de aula, em uma
rodinha de amigos. Sou uma garota sorridente, confiante, alegre - até demais
para o meu gosto - todos me observam enquanto me desdobro a falar. Falo sobre a
vida que virá depois, quando eu sair da minha cidadezinha e for estudar e
trabalhar na capital. Digo confiante que não mudarei com meus amigos, que não
me tornarei uma patricinha metida que vive na merda, mas que finge ter uma vida
de rainha em uma cidade desconhecida e cheia de pessoas tão sedentas por
sucesso quanto ela.
As pessoas na rodinha me olham, algumas acreditam,
outras dizem que a mudança é inevitável, que aconteceu com todos os outros que
partiram e que não sou tão melhor assim para conseguir me manter indissolúvel
ao sistema que me aguarda; que serei apenas mais um que se vai e não volta para
contar como é o mundo do lado de lá.
Bato o pé, digo que vou continuar exatamente do
jeito que sou, que não vou deixar de pintar o cabelo de uma cor diferente por
mês só para conseguir um emprego, que não trocaria minha banda de rock, por um
escritório, que não tirarei meus piercings só porque assustam os garotos, que
não deixaria ninguém me xingar por se achar melhor do que eu, que manteria
minha alma rebelde inabalável sempre, não importava o que acontecesse.
Então acontece que a gente cresce, e não quero dizer
que com isso a minha "alma rebelde" tenha sumido, mas a gente
aprender a se conter perante as pessoas e as situações e a dar o troco de forma
mais categórica, aprende que para tudo e para todos existe uma hora certa. Pelo
menos é isso em que nos obrigamos a acreditar, talvez para não perceber que no
fundo, está tudo é muito do seu errado.
Os ouvidos ficam mais sensíveis, se ouve menos rock-paulera e mais soul, fala-se menos
gírias e palavrões, usa-se roupas mais "adequadas", e vivemos a vida
que renegávamos. Tornamo-nos quem dizíamos nunca querer ser. Somos arrastados
por uma avalanche de contas, responsabilidades, dúvidas, medos, frustrações,
insônia, desejos, pessoas e ideais inalcançáveis. O sistema nos castra, e
quando percebemos não temos mais dezesseis anos, mas sessenta e um, estamos
aposentados, sentados em cadeiras de balanço na varanda de frente para rua, e
pensamos em tudo o que queríamos fazer aos dezesseis.
- Quésia Mello
- Quésia Mello
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